Concertos que ficam<br>para a história

Miguel Inácio

Nesta Festa há sentimentos – alegria, fraternidade, amizade, solidariedade, camaradagem – que não existem em mais festa nenhuma. No sábado, ao início da tarde, no Palco 25 de Abril, foram novamente espoletados ao som da Carvalhesa. É um momento absolutamente mágico, emblemático, divertido, pelo qual se esperam 362 dias, 52 semanas, mais de oito mil horas, que provoca sensações libertadoras, envolvendo pessoas de todas as idades.

Os primeiros a actuar foram os Miss Lava. Este quarteto, um poder da natureza, apresentou, a um público arrebatador, uma progressão de acordes demolidores e imprevisíveis bem evidentes em «Sonic Debris».

Seguiram-se os muito aguardados Peste & Sida, que para a 40.ª edição da Festa do Avante! convidaram alguns dos músicos que ao longo das últimas três décadas fizeram parte da formação. Esta que é uma das bandas mais queridas da Festa, sentimento recíproco, pela sua prestação em palco e alegria de ali estar, trouxeram temas como «Carraspana», «Família em stress», «Furo na cabeça» e «Alerta geral», este dedicado aos 54 milhões de pessoas que votaram em Dilma Rousseff, agora destituída das funções de presidente do Brasil num autêntico golpe de Estado. Entraram então as divertidas freiras do coro «Cotonetes» para, ininterruptamente, continuar com «Sol da Caparica», «Paulinha», «Veneno», «Portem-se bem», «Chuta cavalo» e «Está na tua mão». «Obrigado camaradas. Até Sempre», despediu-se João San Payo.

Os concertos improváveis iniciaram-se com Carlão, que convidou para o palco Sara Tavares e Sam the Kid, juntando, desta forma, o hip-hop, o rap e a world music. «Krioula» foi a primeira a ser tocada em dueto com a cantora. «É bom estar aqui», confessou Carlão, que, com o outro convidado, executou um tema do filme «O crime do padre Amaro». Com Bruno Ribeiro, Gil Pulido e DJ Glue, soltou-se, depois, a revolta com «Colarinho Branco», um manifesto contra a corrupção. Terminou com «Os tais», música friendly das rádios nacionais. Marcos e Anita, em palco, dançaram, apaixonadamente.

Sam Alone & The Gravediggers trouxeram ainda maior qualidade ao espaço. Os temas, com origem no folk tradicional, são verdadeiros hinos de protesto. Reportaram-nos, por vezes, para outros cancioneiros, como Pete Seeger, Bob Dylan e Bruce Springsteen.

Janis Joplin, com «Mercedes Benz», ouviu-se na entrada e «Believers And Renegades» puxou pelo público.

O discurso musical, também ele político, prosseguiu com Criolo, do Brasil, um artista com mensagem sem fronteiras. «Convoque seu buda» e «Subirusdoistiozin» foram apresentados pelo rapper, que se opôs ao «golpe» contra Dilma. «Fora Temer», gritou o público português.

Do México chegaram os Los de Abajo, com ritmos que foram desde o ska ao punk, entrosados com percussões de outras paragens. O público foi chamado a dançar ininterruptamente, do primeiro ao último acorde.

Noite dentro, regressou a música em português, com o rock popular dos Diabo na Cruz, também eles porta-vozes da massa indignada. Começaram com «200 mil horas» e continuaram com «Ganhar o dia», «Tão lindo», numa incrível prestação do baterista, «Baile na eira», «Os loucos estão certos», que puxou pelas gargantas, «Siga a rusga», «Mó de cima», «Saias», «Dona Ligeirinha» e «Vida na estrada» e «Moça esquiva».

Os Ferro Gaita, reis do funaná e uma das melhores bandas cabo-verdianas do momento, apresentaram o seu último trabalho, «Festa Fora». Temas como «Ta Bai Ta Pupa» levaram ao rubro um público vibrante e bem disposto.

Também Ana Moura, deslumbrante como sempre, vestida de branco, é repetente na Festa. O anúncio da actuação trouxe para ali muitos outros milhares de pessoas. Aqui o fado não foi sinónimo de tristeza. «Moura encantada» foi sentido de olhos fechados, num momento de introspecção e de entrega ao mais tradicional estilo de música portuguesa. A partir daí, voltando-se para o público, mostrou como o fado se mistura, numa união perfeita, com outros estilos, como aconteceu com «Fado dançado» e «Dia de folga». Pelo meio soltou a voz com «Sou do fado». Terminou, apoteoticamente, com «Desfado».

O movimento perpétuo gerado pela energia do público continuou com a Orquestra Plateria, da Catalunha. O piano, a bateria e instrumentos de percussão, as guitarras, o saxofone, a flauta, o trombone, um emaranhado de instrumentos, entrosado pelas vozes, masculinas e femininas, fez dançar diversos estilos. Assim acabou uma noite mágica.

Impressionante

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No domingo – com muito sol e muito calor – os primeiros a actuar foram os Fumaça Preta. Com eles viajámos pela música psicadélica, num verdadeiro cocktail de sons festivos.

Fast Eddie Nelson foi o «senhor» que se seguiu. No palco, onde há sons de todo o mundo, esteve um músico do Barreiro. No seu reportório incluiu diversos géneros, como blues, folk, bluegrass, rock and roll. «Tear It Down», «Dry Water» e «This Mountain» surpreenderam.

Da Escócia vieram os Treacherous Orchestra, uma big band que combina a música tradicional do seu país com influências mais contemporâneas. A gaita de foles, o banjo e o acordeão dominaram o palco.

Na Festa, em 45 minutos non stop, os Jafumega fizeram as delícias de todos, com «Ribeira», «Toca a banda no coreto», «La dolce vita», «Nó cego» e «Latin América», tema que estrearam na Festa em 1981. Porque as palavras são muito importantes, entoaram: «Eu q′ria ser camponesa/Ir esperar-te à tardinha/Quando é doce a Natureza/No silêncio da devesa. E só voltar à noitinha...», da poetisa Florbela Espanca.

Depois do comício de encerramento, naquele mesmo palco actuaram ainda Sérgio Godinho & Jorge Palma. «Juntos», nome do disco que resultou de um espectáculo gravado em 2015, começou a ser pensado em 2014, quando os dois nomes incontornáveis na história da música portuguesa se encontraram no Avante!. O espectáculo – com o melhor dos dois – iniciou-se com «Lá em baixo». «Boa noite pessoal do Avante! e os de lá de trás também», ironizou Sérgio Godinho. A cumplicidade entre os dois músicos com o público da Festa foi evidente durante todo o concerto. Cada tema foi cantado por milhares de vozes: «Dá-me lume», «Minha senhora da solidão», «Mudemos de assunto», «Frágil», «A noite passada», «Dancemos no mundo», dedicada a todos os refugiados e emigrantes do mundo, «Deixa-me rir» e «Portugal, Portugal». Os punhos voltaram-se a erguer com «Liberdade», que antecedeu «A gente vai continuar», «Encosta-te a mim» e «Com um brilhozinho nos olhos».

Marta Ren trouxe na bagagem muito groove. «Release me», «I'm Not Your Regular Woman» e «Don't Look» entusiasmaram pelo poder da voz e a qualidade artística da banda que a acompanhou: The Groovelevets. A esta brilhante formação juntou-se Ana Moura, que, com eles, cantou «Smiling Faces» e «(I Can't Get No) Satisfaction» (The Rolling Stones). Já sem a fadista, mas com o guitarrista Pedro Vidal, Marta Ren terminou com «So long» e «I Wanna Go Back», uma homenagem aos anos 60 e 70 do século passado.

Os Xutos & Pontapés encerraram a programação do 25 de Abril. No 40.º aniversário da Festa, nada mais natural do que entregar a função ao Tim, Zé Pedro, Kalú, Zé Cabeleira e Gui. «Ainda bem que vieram. Somos muitos», disse o vocalista, olhando, impressionado, para aquela imensa moldura humana. «Enquanto a noite cai» abriu o desfilar de canções que perpassam por gerações, como «Salvem-se quem puder», «De madrugada (Tu & Eu)», «Contentores», «Ligações directas», «Circo de Feras», «Homem do leme», «Chuva dissolvente», «Ai se ele cai», «Tu Também (Há 10 000 anos atrás)» e «Para ti Maria».

Um momento marcante foi a entrada em palco de Paulo de Carvalho, entoando «E depois do adeus», tema que serviu de primeira senha à Revolução de 25 de Abril de 1974. A noite terminou, em grande, com outros sucessos da banda de rock.

O palco encerrou como começou, ao som da Carvalhesa e de um deslumbrante espectáculo de sincronização do fogo de artificio.

 

 




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